Como Escolas Cristãs devemos crer...
Filhos para sempre
É muito comum nos acostumarmos com privilégios que temos e, nessa acomodação, incorrermos na banalização do que é significativo, distintivo e grandioso ou em desperdício do que temos. A abundância deve ser um estímulo à moderação e gratidão, não ao desperdício.
As Escrituras declaram que somos filhos de Deus. Ele nos predestinou na eternidade tendo esta meta em vista, tornar-nos seus filhos. Quando Paulo se refere a Deus como pai (Ef 1.2), destaca uma relação especial conosco.
Ainda que os conceitos complementares de nossa filiação divina e da paternidade divina estejam expressos em toda a Escritura, o ensino de que somos filhos adotivos de Deus é característico do Novo Testamento. A palavra adoção é usada exclusivamente por Paulo para descrever o ato de Deus e os seus efeitos.
Pedro e João falam do mesmo assunto usando a palavra regeneração. A regeneração trata de como nascemos sobrenaturalmente. A adoção do modo como Deus nos recebe em sua família, a família da fé, nos concedendo todos os privilégios da condição de filhos.
Bavinck (1854-1921) escreveu: “Somos filhos de Deus; nosso status legal é fornecido em Cristo e garantido pelo Espírito Santo como um penhor até o dia da redenção total. Essa doutrina oferece o maior conforto e segurança aos crentes e os capacita a realizar grandes obras” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, São Paulo: Cultura Cristã, 2012, v. 4, p. 182).
Paulo diz que o propósito eterno de Deus é nos tornar seus filhos. Deus não apenas nos redime e restaura à sua comunhão, o que por si só é extraordinário, mas ele nos quer como filhos. O seu amor eterno e paternal se materializa na concretização de uma nova relação na qual ele se declara nosso pai e nós, como que aprendendo a falar, possamos, pelo Espírito dizer, “Abba Pai”: “Nos predestinou para ele, para a adoção de filhos” (Ef 1.5).
“Aos olhos de Deus só somos verdadeiramente gerados quando somos enxertados em Cristo, fora de quem nada é encontrado senão morte”, interpreta Calvino (Exposição de 1Coríntios, SP: Paracletos, 1997 (1Co 4.15), p. 143).
Na adoção vemos uma expressão da bondade de Deus por meio da qual ele nos perdoa e adota, introduzindo-nos na família da fé.
Enquanto pela justificação somos declarados justos perante Deus, visto que Cristo, o Justo, levou sobre si os nossos pecados e nos vestiu com as vestes da justiça de Cristo, não nossa (Is 61.10; Ap 21.2), a adoção consiste na declaração legal de que agora, um inimigo de Deus foi reconciliado com ele, nascendo de novo e, portanto, foi adotado como seu filho, ingressando na família de Deus, se relacionando pessoalmente com o seu Pai, passando, desse modo, a ter todos os privilégios e responsabilidades como tal. Em ambos os casos, ocupamos uma nova posição: de justificados e de filhos. Já não há condenação (justificação) para os filhos de Deus (adoção).
A regeneração e a justificação se constituem no fundamento de nossa adoção. Tornamo-nos filhos porque Deus pelo Espírito nos gerou para ele. Por meio de Cristo fomos declarados justos: não há mais condenação para nós (Rm 8.1).
Deus imputou a justiça perfeita de Cristo sobre nós, pecadores e condenados. Ao mesmo tempo, imputou a Cristo nossos pecados, nossa dívida que jamais poderíamos quitar. Fomos declarados justos. Em Cristo temos a graça que pela sua justiça nos concede a justiça da fé. Esse amor foge a qualquer adjetivação nossa. É por demais sublime e inalcançável pelas nossas mentes limitadas. Portanto, na adoção temos concretizado o amor, a graça e a misericórdia de Deus.
Aqui encontramos uma das maiores expressões de nossa eleição. Deus nos torna seus filhos por meio de seu único e eterno Filho, Jesus Cristo.
A glória para nós preparada ainda não se manifestou em sua plenitude, nem somos capazes de imaginar, visto que jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para os seus filhos (Rm 8.18; 1Co 2.9; 2Co 4.17; Ef 3.20).
Contudo, Calvino nos adverte: “Se acaso tivermos a pretensão de ser mais que filhos e herdeiros de Deus, teremos de subir mais alto que Cristo. Mas se temos nele o nosso limite extremo, não estaremos provocando sua ira máxima, se buscarmos fora de Cristo o que já obtivemos nele, sendo que só o podemos obter nele? Além disso, visto que Cristo é a sabedoria eterna do Pai, a verdade imutável, o conselho inabalável, não devemos acreditar que o que ele nos declara com sua boca possa diferir um átomo que seja da vontade do Pai, a qual buscamos conhecer. Antes, ele nos manifesta fielmente qual é a vontade do Pai, desde o princípio e para sempre” (As Institutas: edição especial com notas para estudo e pesquisa, São Paulo: Cultura Cristã, 2006, v. 3 (III.8), p. 61).
Como filhos, cantemos alegremente ao nosso Deus:
Alegres todos jubilemos,
Ao grande Salvador cantemos!
Ele como filhos seus nos escolheu
Ricas bênçãos ele já nos concedeu.
Seja “avante” o nosso lema triunfal,
Pois seguimos para o lar celestial.
(Hino Saudação, nº 179 no Hinário Novo Cântico. Música de João Diener (1889-1963) com arranjo e adaptação de Ralph Eugene Manuel (1975).
O Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa é pastor-auxiliar na 1ª IP São Bernardo do Campo, São Paulo, SP; é Coordenador Acadêmico do JMC, membro do CECEP e do Conselho Editorial do Brasil Presbiteriano.