Entrevista Gammon: ensino em tempos de pandemia

Instituto Presbiteriano Gammon conta como tem conduzido seu ensino nesse momento de pandemia.
 
por Ana Claudia Braun*
 
Reinventar-se é a palavra de ordem durante esses tempos de pandemia. No Instituto Presbiteriano Gammon isto não é diferente. O Gammon tem enfrentado os desafios com bastante empenho, buscando informar-se o máximo possível, ouvir as demandas que chegam por parte de seus públicos e agir rapidamente.

O colégio está sob a liderança do diretor-geral Prof. Alysson Massote, que tem larga experiência no segmento educacional e Doutorado em Psicologia pela USP.

Nessa entrevista, ele compartilha um pouco do  aprendizado, das expectativas e dos anseios à frente da gestão, nesse momento de complexidade e imprevisibilidade.
 
ANEP - Professor, na sua visão, quais os principais desafios encontrados pelos gestores nestes tempos de isolamento forçado por conta da pandemia Covid-19? 
Prof. Alysson - Entre os principais desafios, eu destacaria: a atualização permanente sobre a legislação e as decisões pelo poder público na área educacional, trabalhista e de direito do consumidor; a necessidade de tomada rápida de decisão, em função das referências apontadas no item 1; o cuidado com o grupo de colaboradores, principalmente quanto ao suporte emocional e financeiro; o cuidado com os alunos e o atendimento às demandas das famílias, conforme os limites da escola.
 
ANEP - Como o sr. avalia a possibilidade de volta às aulas neste ano?
Prof. Alysson - Avalio que temos uma possibilidade concreta de retorno a partir de agosto, com variações que dependerão dos contextos regionais e locais. Todavia, não se tratará apenas de simples retorno às condições que tínhamos antes da suspensão das aulas presenciais. Instabilidade e mudança serão nossas companheiras nessa retomada, diante dos riscos de novas suspensões. As escolas deverão se preparar, fazendo um planejamento muito detalhado, considerando os protocolos que ainda serão divulgados.
 
ANEP - Outra dificuldade encontrada neste período de pandemia é o estado psicológico de pais e alunos em relação ao isolamento e à preocupação da contaminação com a volta das aulas. Em sua visão, como a escola deve trabalhar com o lado emocional de pais e alunos?
Prof. Alysson - Essa é uma questão muito importante. Cuidado é uma palavra que deve nortear nossas ações nesse assunto. Nesse período de isolamento desenvolvemos três atividades: Dona Corona e Senhor Vírus, Diário de uma Pandemia e Momento com Deus. 
A primeira apresenta de forma lúdica, integrada com os contos infantis como Rapunzel, os Três Porquinhos, entre outros, a necessidade de adotarmos medidas de proteção durante esse período de pandemia. Ela é mais direcionada para o público infantil. Os episódios são apresentados semanalmente. 
A segunda atividade apresenta, sob a forma de um diário, como estão sendo desenvolvidas as atividades em nossa escola nesse período. O diário tem sido postado quinzenalmente. 
Por fim, o Momento com Deus é uma devocional realizada duas vezes por semana, com o objetivo de levar uma reflexão bíblica sobre diversos aspectos do nosso contexto atual, trazendo uma perspectiva de esperança para toda a nossa comunidade. Todas essas atividades são postadas nas redes sociais (veja o Facebook do Gammon, clicando aqui).
Por ocasião do retorno, consideramos estratégias que envolvam a tranquilização dos pais e também o acolhimento da comunidade. 
 
ANEP - Como as escolas podem se preparar melhor, considerando a preocupação com o segundo semestre de 2020? O que deve haver no planejamento de curto e médio prazo?
Prof. Alysson - O planejamento de curto prazo, nesse contexto de pandemia, requer atualizações constantes e consequentes ajustes nas estratégias de ensino e de negociação financeira, com impacto a médio e longo prazos. Por isso, as decisões têm de ser tempestivas. Isso beneficia o planejamento de médio prazo, principalmente quanto à consolidação das estratégias identificadas como eficientes e eficazes, bem como na introdução de elementos inovadores, uma vez vencida a etapa da estabilização do novo regime. Um elemento importante é não perder aquilo que foi conquistado em termos de inovação e manter ativo o interesse e a disponibilidade para a mudança.
 
ANEP - Durante o processo de aulas remotas, muitos alunos não tiveram a supervisão adequada por parte dos pais. O que as escolas devem fazer para reduzir as diferenças dos alunos em relação ao conteúdo ministrado e como recuperar a aprendizagem?
Prof. Alysson - Temos monitorado nossos alunos, procurando identificar as ausências e a falta de participação, quando possível, nas aulas online. Nesses casos, contatamos os pais, alertando-os e solicitando apoio para que o aluno esteja presente às aulas. 
Sobre as colas, enviamos vídeo para os alunos do Ensino Médio para sensibilizá-los. Todavia, a questão que subjaz é ética, ou seja, a minha conduta deve estar balizada pelos meus princípios e valores - e não subordinada pelos controles externos. Infelizmente, para um país que pretende lutar contra a corrupção, esse tipo de comportamento é uma péssima referência. 
Quanto ao apoio para os alunos com dificuldades, temos adotado estratégias de apoio, como revisões online com esses alunos. Tivemos plantões de Matemática para atender esse tipo de demanda com resultados muito positivos. Por ocasião da retomada das aulas presenciais, estamos definindo algumas estratégias para a redução máxima dessas diferenças.
 
ANEP - Quais aplicativos têm sido melhor utilizados a partir de sua realidade?
Prof. Alysson - No nosso caso, temos utilizado a plataforma Google for Education, pelo fato dela contemplar uma série de aplicativos muito bons para o regime remoto. Entre eles, destacaria o Google Sala de Aula para a gestão pedagógica e Google Meet para as aulas on-line.
 
ANEP - Como sua escola tem conseguido manter professores e profissionais engajados?
Prof. Alysson - Essa tarefa constitui um desafio. O suporte da equipe pedagógica, da coordenação e da supervisão é fundamental para a identificação de questões coletivas e individuais trazidas pelos docentes. 
Para aquelas que envolvem o grupo, eu colocaria o suporte constante e explícito, incluindo orientações, esclarecimento de dúvidas, bem como o incentivo para as inovações e o reconhecimento das melhorias propostas por eles. 
Manter o bom humor nas reuniões também é importante como fator para a quebra da tensão e relaxamento. Um elemento importante também é a sensibilidade quanto ao cansaço da equipe, definindo paradas quando necessárias.
 
ANEP - Enquanto esse retorno de aulas presenciais não acontece, que tipos de ações estratégicas os gestores podem realizar junto aos professores? 
Prof. Alysson - Quanto aos professores, diria que o acolhimento e o suporte possível em todas as áreas, manutenção constante do diálogo, escuta das demandas trazidas, bem como orientações atualizadas, à medida que o regime remoto avança no tempo.
 
ANEP - E junto aos alunos e pais de alunos?
Prof. Alysson - No tocante aos alunos, semelhantemente aos professores, dar acolhimento, orientações precisas e ajustar a metodologia de ensino, sempre que necessário e possível. No caso dos pais, colocaria a escuta quanto às questões pedagógicas e o acolhimento, sobretudo, das demandas advindas da área financeira.
 
ANEP - Como envolver mais e melhor os alunos em tempos como estes?
Prof. Alysson - Aqui temos uma situação curiosa. Os alunos mais novos têm demonstrado mais ímpeto para a participação, requerendo muita habilidade dos professores para mediar esse “furor participativo”. 
Já os mais velhos requerem monitoramento mais sistemático quanto às atividades regulares. Espontaneamente, no nosso caso, esse último grupo tem se movimentado principalmente para projetos de cunho social, de apoio ao outro. 
Nossa orientação para a equipe de docentes tem sido pelo incentivo à participação maior desses alunos durante as aulas, seja por trabalhos em grupo, discussão de questões, quizzes ou outras estratégias, procurando gerar mais envolvimento e mudando o foco atencional, evitando sobrecarga na memória de trabalho.
 
ANEP - O sr. poderia falar sobre a importância da comunicação neste processo de gestão de crise?
Prof. Alysson - Considero esse um grande desafio. Com a equipe da escola, conforme salientado anteriormente, a comunicação clara e os canais abertos constituem um elemento redutor de ruídos e tensões.
Quanto aos pais, o tensionamento advindo das questões financeiras, em muitos casos com a sua judicialização, tem prejudicado esse contato com as famílias, sobretudo porque as questões pedagógicas têm servido como argumento para as negociações. 
Frases como “eu não contratei educação a distância”, vocês tiveram uma grande redução de custos”, “o PROCON mandou reduzir as mensalidades” acabam por construir muros em vez de pontes, requerendo sabedoria das instituições sobre quando, o que e como comunicar com as famílias. Nesse contexto, separar as questões pedagógicas daquelas financeiras constitui uma estratégia de comunicação com as famílias. 
Além disso ter junto aos pais, formadores de opinião que compreendem o que a escola está fazendo, pode gerar um fluxo de contrainformação, principalmente nos grupos mais beligerantes.
Sobre esse aspecto, a forma como lidamos agora com essas situações irá repercutir no futuro imediato. O desafio é levarmos uma repercussão positiva das ações da escola.

ANEP - A necessidade de isolamento social levou as escolas, com poucas exceções, a utilizarem de tecnologias que anteriormente não possuíam, além de preparar sua equipe para utilizá-las. Em sua avaliação, o processo educacional ganha com esse avanço de uso de tecnologias?
Prof. Alysson - Em situações de crise como essa há avanços “forçados”. No caso dessa pandemia, avalio que houve um enorme esforço por parte de muitas escolas e educadores para se adaptar a essa nova situação, com recursos que já estavam disponíveis, mas que não eram utilizados de forma intensa. Isso tem contribuído, inclusive, para o aperfeiçoamento dessas ferramentas.
Assim, creio que ganhamos muito com o uso dessas tecnologias, visto que estaremos sujeitos a situações como essa nos próximos anos.
 
ANEP - O processo de volta às aulas está dentro do que está sendo chamado de “novo normal”, que é a volta das pessoas às atividades rotineiras, mas com todo os cuidados necessários. Quais são os protocolos e os principais cuidados que a escola deve tomar neste momento?
Prof. Alysson - Avalio que não teremos a volta às atividades rotineiras. O retorno não terá como diferencial apenas a questão dos cuidados preventivos. Teremos uma nova escola que deverá funcionar inicialmente com um sistema híbrido contemplando, simultaneamente, aulas presenciais e online.
Temos uma equipe trabalhando no retorno às atividades presenciais, com o apoio e orientação de profissionais de saúde e, de forma sintética,  consideramos os seguintes aspectos:
1. Observância dos protocolos. Enquanto eles não são divulgados, temos nos referenciado por aqueles adotados em outros países, como França e Portugal, bem como pelos documentos produzidos pela UNESCO, CDC, Sociedade Brasileira de Pediatria, entre outras entidades.
2. Adaptações tecnológicas para a transmissão das aulas presenciais;
3. Período de acolhimento a toda comunidade, sobretudo alunos e professores, considerando as variações temporais desse período por série;
4. Avaliação diagnóstica formal somente após o período de acolhimento ter sido realizado;
5. Retomada de assuntos em relação aos quais foram identificadas deficiências no aprendizado;
6. Nova avaliação para verificar a eficácia da retomada;
7. Ajustes no calendário de 2021, visando a consolidação de assuntos para os quais foi identificada essa necessidade.

ANEP - Outro problema previsível é quanto ao retorno de professores e colaboradores que estão em grupo de risco. Como a escola deve agir nesse sentido?
Prof. Alysson - Para esse tema já existe um parâmetro legal. A MP 927 contém elementos que devem nos orientar. 

ANEP - Se tivesse que selecionar três passos principais para orientar outros gestores, quais seriam? 
Prof. Alysson - Informar-se | Ouvir | Agir
 
ANEP - O sr. poderia deixar uma palavra de fé e esperança às escolas associadas?
Prof. Alysson - Nosso referencial de mundo, a fé reformada tem como pressuposto a soberania de Deus sobre todas as coisas e Seu cuidado explícito para com os seus, mesmo em meio às dificuldades. Nessa situação, devemos ter como ânimo como Jesus teve. Ele venceu o mundo e Nele somos mais que vencedores.

 

* jornalista e consultora educacional | W4 CONSULTORIA