O lugar da educação na estratégia missionária da igreja

por Geomário Carneiro

Devocional na Assembleia Extraordinária da ANEP em 30/10/20Atos 5.12-16

 Uma das estratégias, dentre outras, bastante utilizadas nas igrejas reformadas para o cumprimento da missão da igreja foi a abertura de escolas. Os estudiosos, os teóricos e os líderes eclesiásticos sempre debateram quanto aos limites e à abrangência da atuação missionária da igreja. É importante saber se a igreja deve ou não preocupar-se exclusivamente com a pregação da sua mensagem religiosa. Historicamente, os primeiros cristãos se reuniam nas casas com a finalidade de ler as Escrituras e adorar a Deus (At 2.42-47; 5.42; 10.23-24; 12.12; 20.7-12; Rm 16.3-5,14-15). Ao se utilizar das casas, a igreja experimentava a revitalização, bem como crescimento numérico e espiritual. O ministério desenvolvido na igreja primitiva contava com a leitura das Escrituras, o que pressupõe alfabetização e desenvolvimento educacional.

Nesse texto, vemos a manifestação do poder de Deus por meio da igreja. Diante da perseguição, a igreja reunida clamou a Deus, rogando intrepidez para pregar (At 4.29) e para realizar curas, sinais e prodígios por intermédio de Jesus (At 4.30). A primeira resposta foi imediata. A casa onde os crentes estavam reunidos tremeu e todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a anunciar a Palavra de Deus com intrepidez (At 4.31). A segunda resposta também foi prontamente atendida (At 5.12-16). À luz desse acontecimento, pretendo discorrer sobre o lugar da educação na estratégia missionária da igreja[1]. Destacamos aqui alguns pontos importantes.

A manifestação do poder de Deus por meio da estratégia missionária da igreja na tarefa da educação confessional.

A. Os sinais e prodígios entre o povo em resposta à oração da igreja: - v. 12 – Lucas relata esse fato, como segue: Muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos. E costumavam todos reunir-se, de comum acordo, no Pórtico de Salomão (At 5.12). É importante destacar que os sinais e prodígios eram credenciais do apostolado (2Co 12.12). Essas credenciais estão agora sendo usadas.

Adolf Pohl diz que um apóstolo não é apenas um pensador ou professor e pregador, mas, sobretudo, um “embaixador”, que tem de agir, com palavra e ação, conforme a incumbência de seu Senhor[2]. A igreja, por meio da sua estratégia missionária, pode estabelecer escolas confessionais. Historicamente, as igrejas protestantes têm feito duas coisas amplamente – têm anunciado a mensagem cristã e também têm criado escolas. A educação confessional é uma estratégia missionária importante e influente, mas também tem um potencial para conflitos e controvérsias. Tal tem sido o caso na história da Igreja Presbiteriana do Brasil[3]. As organizações missionárias que implantaram o presbiterianismo no Brasil eram firmes partidárias da educação, tendo-a como um importante instrumento da obra missionária[4].

B. A atitude de temor e respeito entre o povo decorrentes da atuação da igreja: - v. 13 – Mas, dos restantes, ninguém ousava ajuntar-se a eles; porém o povo lhes tributava grande admiração (At 5.13). A vida da igreja tinha um impacto irresistível tanto em vista dos milagres e sinais quanto pelo amor cordial e pela assistência em seu meio (At 5.13). Por outro lado, a igreja gerava uma reverência cheia de temor à sua volta (At 5.13). De acordo com Marshall, os judeus descrentes se mantiveram à distância dos cristãos, deixando-os em paz. Talvez tivessem medo de que uma lealdade apenas parcial os levasse ao julgamento. Em muitos aspectos, a atividade didática pertence à essência mesma do cristianismo. Cristo foi um mestre e legou aos seus seguidores uma mensagem que devia ser ensinada a outros e transmitida de geração a geração[5]. Se, porém, era o medo que afastava os judeus descrentes, mesmo assim, não poderiam deixar de louvar os cristãos à medida que se impressionavam por aquilo que eles faziam (At 5.13) [6]. A solenidade com que os cristãos viviam fechava as portas aos covardes e as abriram aos eleitos (At 5.13). Mesmo os inconversos (por meio da educação confessional) precisam dobrar-se diante das evidências da santidade com que a igreja vive no mundo (At 5.13).

C. A igreja desfruta de reconhecimento entre o povo se alcança credibilidade: - v. 14 – E crescia mais e mais a multidão dos crentes, tanto homens como mulheres, agregados ao Senhor (At 5.14). O historiador Lucas deixa de usar cifras específicas para referir-se ao crescimento da igreja (At 2.41; 4.4) e começa a falar de uma multidão de crentes que se agregava ao Senhor. Tanto o ataque externo (perseguição) quanto o interno (hipocrisia) foram enfrentados com firmeza, e como resultado a igreja explodiu em crescimento[7]. Desde o princípio, os cristãos entenderam a importância da educação como instrumento indispensável para comunicar a fé e ajudar os fiéis a se firmarem em suas convicções. Ao mesmo tempo em que realizava a atividade mais básica da educação cristã ou educação religiosa, a igreja, em sua interação com o mundo greco-romano, também sentiu a necessidade de preparar melhor os seus líderes e os seus fiéis. Dessa preocupação, resultaram na antiguidade importantes iniciativas como as famosas escolas catequéticas de Alexandria e Antioquia, entre outras[8]. A credibilidade da educação confessional faz com que o trabalho missionário da igreja seja relevante.

D. As constantes curas extraordinárias entre o povo gerava esperança: - v.15,16 – Lucas assim relata o episódio: A ponto de levarem os enfermos até pelas ruas e os colocarem sobre leitos e macas, para que, ao passar Pedro, ao menos a sua sombra se projetasse nalguns deles. Afluía também muita gente das cidades vizinhas a Jerusalém, levando doentes e atormentados de espíritos imundos, e todos eram curados (At 5.15,16). A era messiânica havia chegado. O Ressuscitado e Exaltado é o mesmo Salvador dos evangelhos, dando prosseguimento à sua obra por meio de seus mensageiros (At 5.11,16) [9]. Esses milagres atestavam o poder do Cristo ressurreto manifestado por intermédio dos apóstolos (At 5.15,16). Pedro é poderosamente usado por Jesus tanto para pregar com intrepidez como para realizar curas e prodígios. John Stott enfatiza que se tratava de uma notável demonstração do poder de Deus para curar e libertar seres humanos, assim como o episódio de Ananias e Safira havia sido uma demonstração de seu poder para julgá-los[10].

IV- Conclusão: 

Qual tem sido o nosso procedimento ao usar a estratégia missionária da igreja como educadores cristãos para demonstrar a manifestação do poder de Deus? Há sempre uma intervenção providencial de Deus pela igreja quando ela se utiliza com sabedoria da estratégia missionária por meio da educação confessional:

  1. Toda ação da igreja deve ser regada com oração – v. 12 – Este é um procedimento exigido para o exercício da educação confessional;
  2. A atuação da igreja deve ser relevante entre o povo – v. 13 – Podemos obter resultado destacado quando a nossa atividade educacional se fundamenta no sobrenatural;
  3. A igreja desfrutava de reconhecimento quando alcança credibilidade – v. 14 – Os cristãos verdadeiros agiam com ênfase nas Escrituras como fonte de valores éticos;
  4. Toda ação da igreja deve ser geradora de esperança – v. 15,16 – Uma ação reveladora do poder de Deus concorre para uma esperança inabalável.

Que Deus nos ajude a sermos uma comunidade escolar que reconhece a intervenção providencial de Deus em favor da estratégia missionária da igreja pelo exercício da educação confessional. Amém!

 

Geomário Carneiro é pastor da Terceira Igreja Presbiteriana de Taguatinga.

É membro da Diretoria do CONAPE e da ANEP | Imagem: VisualHunt.

Referências:

[1] MATOS, Alderi Souza de. Fides Reformata. Vol. IV, Número 2, Julho-Dezembro 1999: p. 59.

[2] POHL, Adolf. Atos dos Apóstolos, p. 92.

[3] MATOS, Alderi Souza de. Fides Reformata. Vol. IV, Número 2, Julho-Dezembro 1999: p. 59.

[4] MATOS, Alderi Souza de. Fides Reformata. Vol. IV, Número 2, Julho-Dezembro 1999: p. 60.

[5] MATOS, Alderi Souza de. Fides Reformata. Vol. IV, Número 2, Julho-Dezembro 1999: p. 60.

[6] MARSHALL, I. Howard. Atos: introdução e comentário, 1982, p. 113.

[7] LOPES, Hernandes Dias. Atos, a ação do Espírito Santo na vida da igreja. p. 122.

[8] MATOS, Alderi Souza de. Fides Reformata. Vol. IV, Número 2, Julho-Dezembro 1999: p. 60.

[9] POHL, Adolf. Atos dos Apóstolos, p. 93.

[10] STOTT, John. A mensagem de Atos, p. 125.