O que aprendi dando aulas on-line durante a pandemia

A pandemia de Covid-19 me fez interagir com os estudantes de uma maneira diferente. O olho-no-olho se transformou em tela-na-tela e, no começo, a única coisa que eu queria era ensinar da mesma forma que eu fazia presencialmente. Depois de seis meses, descobri que esse era o objetivo errado. Esse artigo relata o que eu aprendi tentando ensinar e superando as dificuldades impostas pelo distanciamento social. Eu não sou um educador no sentido stricto da palavra. Sou um químico curioso que quer expressar algumas ideias que podem ressonar em pessoas que, como eu, gostam de ensinar.

Eu aprendi a preparar aulas mais envolventes

Não me entenda mal. Eu sempre preparo a aula, mesmo as que já dei muitas vezes antes. Mas o isolamento me forçou a gravar as aulas e as minhas aulas gravadas eram (e talvez ainda sejam) chatas – muito chatas. Então, procurei exemplos de aulas no YouTube. Quanto mais curta, direta e clara a aula, mais vontade eu tinha de explorar o assunto. O problema é que as minhas aulas não foram preparadas para 20 minutos; elas sempre duravam pelo menos o triplo desse tempo. Condensar uma aula de química de uma hora em 20 minutos de vídeo não me pareceu ser a forma mais adequada de preservar a integridade psicológica dos espectadores. O caminho que eu encontrei foi separar as aulas em perguntas simples que permitiam apresentar conceitos mínimos, uma de cada vez, mas de forma integrada. Uma aula, um conceito.

Várias aulas, uma ideia. Durante esse processo, eu tive que “abrir mão” de inúmeros detalhes que eu ensinava nas aulas presenciais e isso acabou sendo… bom. Esses conceitos foram, felizmente, descobertos pelos estudantes e se transformaram nas perguntas certas.
(...) O que eu percebi é que falar sobre um determinado assunto, mesmo que seja um tema técnico, pode ser muito divertido se você encontrar histórias que prendam a atenção do ouvinte. Pessoalmente, achei incrivelmente difícil fazer essas coisas, não somente pela parte técnica, mas porque percebi que alguns conceitos que eu ensinava nas aulas presenciais eram dogmáticos e precisavam de mais contexto para se tornarem atrativos nessas novas mídias.

Para os criadores de conteúdo on-line, preparar um roteiro e criar uma história para engajar o espectador parecem ser as coisas mais importantes (junto com um bom áudio) para produzir um vídeo com muitos likes. Like é a moeda digital que pode – nas mãos habilidosas de pessoas que normalmente têm menos de metade da minha idade – se tornar moeda real porque implica capital social e influência sobre um grupo de pessoas.

Como a minha moeda não é o “like”, mas o “entendi”, eu complementei as aulas assíncronas com aulas síncronas pelo Google Meet, que é disponível para os docentes da USP, que também são gravadas e disponibilizadas no e-disciplinas. Ao fazer isso, descobri que as coisas estavam mudando. Nas aulas presenciais, eu apresentava os conceitos e os alunos estudavam em casa; agora alguns deles estavam trazendo as dúvidas do estudo em casa para as aulas. Essa inversão não é algo novo. Ela é descrita por Salman Khan, o inventor da Khan Academy, como uma das maiores mudanças com o ensino on-line.

O que aconteceu a seguir foi incrível: feedback positivo. Estudantes interessados me deixaram mais motivado, o que se traduziu na minha vontade de motivá-los ainda mais. Alunos e alunas finalmente assumindo uma posição mais ativa como estudantes, me transformando de professor em facilitador.

Talvez todo o conhecimento ao redor de um tema seja importante, mas não cabe em um sistema que quer ensinar os estudantes a pensarem por si mesmos colocá-los como ouvintes passivos de um monólogo descritivo, elencando conceitos. Ironicamente, foi o distanciamento físico dos estudantes que me fez perceber a importância do diálogo com eles.

* Este artigo é dedicado a todas as pessoas que têm ido além de sua zona de conforto para continuar transmitindo conhecimento. O texto pode ser lido na íntegra neste link.

Por Erick Bastos, professor associado do Instituto de Química da USP (Jornal da USP).